Breve análise do documentário "Paulo Freire Contemporâneo" e do livro "Pedagogia da Autonomia".
O documentário “Paulo Freire Contemporâneo”, dirigido por Toni Venturi, em 2007, relata a importância de
Paulo Freire; trazendo na sua biografia, desde a origem do seu pensamento e das
primeiras aplicações do seu legado inovador na educação, até os dias atuais. Inicia
com a fala do próprio Paulo sobre seu “primeiro mundo”, com trechos do
seu artigo “A importância do ato de ler”, em que defende a primazia do contato
com o mundo particular de cada um no método da alfabetização para, por fim, ter
contato com a palavra escrita. O pensamento de Paulo Freire, segundo o mesmo,
iniciou com uma crítica à educação brasileira, desde a década de 50, com a
percepção de que o contexto é a base do aprendizado e que o diálogo entre aluno
e professor é o sustento da pedagogia.
No percorrer do documentário, num círculo, mulheres e homens relembram a chegada de um “um jipe anunciando a vinda de uma escola” num interior do estado do Rio Grande do Norte, que visava o plano de ensino de jovens/adultos; e foi dessa experiência que Paulo Freire percebeu a necessidade de modificar o método de ensino na alfabetização, e criou então o “Círculo de cultura”, como substituição da classe de alfabetização, pois nesta “permanecia aquele sentimento de ‘a sobre b’, ou seja, de um professor que dita, que diz, que transmite uma educação bancária à quem recebe” e o Círculo de cultura tratava-se da divisão dos educandos e educadores em forma de círculos geométricos, sendo o educador o estimulante de discussões temáticas sociais e culturais, a fim de fazer-se a leitura do mundo para então ler a palavra.
Não obstante, Paulo Freire constatou
também a necessidade de vislumbrar a diferença de classes sociais existentes e
incorporar esta realidade em sua educação, pois enxergou que a problemática da
educação era, sobretudo, política – que é o pensamento base do seu livro
“Pedagogia do Oprimido”. Nesta proposta, Freire ressalta a noção de consciência crítica como conhecimento e
prática de classe. É uma pedagogia da consciência, que é definida como uma ação
cultural, com duas noções culturais centrais: a educação bancária e a educação
problematizadora, e disso, põe o oprimido como palco na história, que antes
sempre foi invisibilizado pela cultura e classe dominante.
Para tanto, a
antropologia que norteia os ideais de Paulo Freire
é que: somos um ser curioso, um ser inacabado, incompleto e inconcluso (precisamos
um do outro). Somos um ser que estamos em constante mudança (compartilhamos o
mundo com o outro, esse mundo está em constante transformação, portanto também
estamos em constante evolução). E por isso, sua defesa básica para uma educação
que não pode ser construída apenas por um sujeito capaz de ensinar conteúdos e
comportamentos socialmente esperados e aceitos, mas sim criar uma educação que
perpasse a sala de aula, desenvolvendo a autonomia em cada sujeito,
conscientizando o papel de cada um como sujeito educando e educador, como o
próprio Paulo Freire se autodenominava.
O documentário relata também
a desconstrução do plano de alfabetização de Paulo Freire aqui no Brasil com a
Ditadura Militar. Freire foi perseguido e exilado até a década de 80,
entretanto, afirma que este exílio foi, para si, “profundamente pedagógico,
pois tomando distância do Brasil, começou a compreendê-lo melhor”.
No momento seguinte do
vídeo, é apresentado o legado mundial de Paulo Freire e do seu Instituto aqui
no Brasil. Com centros de estudo e pesquisa, de formação profissional
relacionando-se principalmente com a comunidade, Freire é reconhecido na fala
das crianças alunas da escola rural do Jagaquara, Bahia, como “um menino que
veio da roça”, “que aprendeu a ler e a escrever debaixo da sombra de uma
mangueira”, “que amava ler”, que “foi o homem que quis transformar o mundo”; e
também caracterizado por uma das suas filhas “como um homem extremamente frágil
à maldade humana, cheio de inteireza e bondoso”. Seu ser, portanto,
transbordava na sua ideologia, sendo o próprio, o maior exemplo da eficácia da
sua pregação inovadora para a educação.
Aborda ainda, a
ideologia freireana nos aspectos da saúde e da ecologia. Na saúde, é apresentado
no curso de enfermagem da UFRJ, com círculos de cultura, trabalhadas na
pedagogia problematizadora - que são os casos da saúde transformados em
situações existenciais - desenvolvendo uma autonomia com a reciprocidade para
um melhor atendimento frente aos pacientes. Na ecologia, a ecopedagogia é
destacada no livro “Pedagogia do oprimido” direcionando a Terra como um grande
oprimido, alertando ao modo insustentável que vivemos, propondo a reformulação
da atual pedagogia para uma pedagogia que atente a temática da sustentabilidade.
Por fim, o documentário
mostra com a biografia de Paulo Freire, sendo um defensor da justiça social, da
educação como um ato político, como um ato amoroso na receptividade do aprender,
da cultura como resultado da aprendizagem do homem, da curiosidade que
desencadeia a busca pelo conhecimento, do diálogo que aproxima os homens entre
si e do mundo em que vivem, e da leitura desse mundo na perspectiva da análise
crítica e da sua compreensão. Demonstrado pelo seu método de alfabetização como
uma experiência criadora, “sendo o educando o arquiteto dessa criação ajudado
pelo educador”, tendo este direcionamento alcançado para a população de forma pública
e democrática.
O livro “Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa” de Paulo Freire, já nas “Primeiras Palavras”, Freire, partindo
do pressuposto que o ser humano é um projeto ainda inconcluso, ainda em
formação, afirma que todo conhecimento é inacabado; ou seja, é um processo que
se desenvolve continuamente, incorporando novos itens e jamais deixando de
questionar, sobretudo a si mesmo. Na perspectiva de que participamos da
humanidade, participamos do mundo, somos levados a deixar uma “consciência mágica”
que atribui o conhecimento a um poder superior, gerando o sentimento de
dominação e subjugação do sujeito, sendo desafiadosa buscar a “consciência crítica” que é a que
busca em compreender como se entrelaçam os mais diversos fatores que compõe os
conhecimentos e a realidade; partindo do principio que todo conhecimento é
gerado da nossa ação no mundo. De modo que, sublinha aos professores a responsabilidade
ética no exercício da tarefa docente.
No Capítulo primeiro, “Não há docência
sem discência”, é destacado que tais saberes são característicos da prática
educativa e que são igualmente importantes para educadores conservadores. E
anuncia que desde o princípio da experiência formadora, o formando deve assumir-se
como sujeito da produção do saber, “se convencendo definitivamente de
que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua produção ou a sua construção.”, ou seja, “quem ensina aprende ao
ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Que, portanto, é inexistente o
ensino que não resulta num aprendizado que o aprendiz não se tornou capaz de recriar
ou de refazer o ensinado. E destaca ainda neste capítulo, nove pontos
indispensáveis para compreender a discência na docência - “rigorosidade metódica”, “pesquisa”, “respeito aos
saberes do educando”, “criticidade”, “estética e
ética”, “a corporeificação das palavras pelo exemplo”, “risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação”, “reflexão crítica sobre a prática” e “o reconhecimento e
a assunção da identidade cultural”. E firma tais exigências para o ensino no que
se baseia no criar, reforçar e encorajar a capacidade crítica do educando, sua
curiosidade e sua insubmissão na busca dos elementos que envolvem conhecimento.
A experiência do raciocínio do professor não deve ser transferido aos alunos,
mas sim deve ser vivido pelo aluno que foi ensinado a pensar, fugindo do método
mecânico e “bancário”. Afirma a inexistência do ensino sem a pesquisa, a busca,
o questionamento; que deve ser uma prática permanente ao professor e aluno pois,
a partir daí é que os próprios saberes do aluno se transformam. Que os saberes que
cada um adquiriu a partir do seu mundo particular são de suma importância, e
deve-se fazer com que estes saberes se conectem com os saberes da disciplina. E,
na medida que a curiosidade é despertada criticamente, na superação do senso
comum a partir da educação, há a conquista de uma visão mais ampla da
realidade.
No Capítulo dois, “Ensinar não é
transferir conhecimento”, Freire destaca mais nove exigências que compreendem a
noção do que devem ser criadas para a construção da aprendizagem do aluno. São
estas a “consciência do inacabamento”, “bom senso”, “humildade, tolerância e
luta em defesa dos direitos dos educadores”, “apreensão da realidade”, “alegria
e esperança”, “convicção de que a mudança é possível” e “curiosidade”. A consciência
do inacabamento do ser humano, também condicionado, faz me perceber como objeto
do mundo que vivo; e com a minha atuação, me torno também sujeito da minha
história. E é daí que a autonomia do sujeito surge. O respeito a autonomia e à
dignidade de cada um é um imperativo ético, na medida que o professor
autoritário, que “afoga a liberdade do educando”, transgride ,sobretudo, a
natureza humano do aluno rompendo o processo de aprendizagem em ambos os
sujeitos. Por isso, a vigilância do bom senso é importante, a todo instante,
pois ele é que adverte ao professor de que exercer sua autoridade na classe,
tomando decisões, orientando atividades, cobrando a produção individual e
coletiva do grupo não é sinal de autoritarismo, mas sim de cumprimento do seu
dever. O bom senso adverte neste âmbito tangente ao trabalho do professor,
sendo o trabalho do professor com os alunos e não consigo mesmo; não diminuindo, porém, a luta em favor do respeito aos educadores. É importante que o professor
conheça as diferentes dimensões que caracteriza a essência da prática pedagógica,
apreender a realidade que vive, como um ser social, a fim de construir,
reconstruir e constatar para mudar. É preciso que o professor assuma suas
convicções, sendo sensível à pratica educativa, assumindo suas limitações, mas
sempre também motivado pela curiosidade inerente ao seu ser. A esperança e a
alegria têm sua importância pelo professor e pelo aluno que devem possuí-las na
construção de uma aprendizagem, de um ensino, como uma motivação nesta
produção, para juntos resistir os obstáculos à alegria do processo de formação
do educador educando. Além do papel de constatador da realidade, o professor
precisa ser agente de intervenção desta realidade. Não apenas objeto da
história, mas ser sujeito também. Estimular a pergunta, a inquietação, a
curiosidade, desafiando o educando; e, com isso, o educador, construirá um ambiente pedagógico-democrático de ensino.
O capítulo 3, “Ensinar é uma
especificidade humana”, destaca mais nove exigências ao ensino, “segurança,
competência profissional e generosidade”, “comprometimento”, “compreender que a
educação é uma forma de intervenção no mundo”, “liberdade e autoridade”, “tomada
consciente de decisões”, “saber escutar”, “reconhecer que a educação é
ideológica”, “disponibilidade para o diálogo”, “querer bem aos educandos”. A
segurança do professor produz firmeza em sua atuação, em sua competência profissional,
ambas como frutos da sua autoridade ética e autentica. O professor “mandão e
arrogante”, que aflige a liberdade do educando, não constrói uma boa disciplina
e se esquece que ser educador, é antes ser humano. A prática educativa exige
comprometimento e responsabilidade e, se o professor deseja ser progressista, precisa compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.
Rejeitar a redução da consciência a puro reflexo, a hipertrofia, apreender que
é preciso nos tornarmos seres capazes de observar, de escolher, de intervir, como
citado por Freire, “não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que,
por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição.”. Saber a
importância do escutar o aluno, e do diálogo também são primazias do ensino.
Pela apropriação do aluno na inteligência do conteúdo que foi provocado pelo
professor, é que se estabelece uma comunicação, demonstrando que ensinar não é
a transferência de conteúdo, mas sim o empenho crítico e criativo do professor
em transbordar isso ao seu aluno.
Portanto,
assim como no documentário, também no livro se percebe a abominação de Paulo
Freire pelo ensino pautado numa relação de dominância do professor sobre o
aluno. E propõe, numa ação libertadora educativa, uma relação de troca
horizontal de saberes; uma educação crítica, criativa e transformadora, e acima
de tudo, conscientizadora, na medida que o sujeito dotado de autonomia intervém
em sua realidade.
Aproveito para sugerir aos leitores a série de estudo do livro Pedagogia da Autonomia, que está sendo desenvolvida pelo Prof. André Azevedo da Fonseca, no youtube. Que aborda as principais ideias do livro, por capítulos e subcapítulos, de uma forma mais dinâmica, clara e acessível. Estou acompanhando e está sendo muito interessante fazer os paralelos e comparações das minhas interpretações do livro com o Prof. André.
Acompanhem, gente! Muito interessante, mesmo! Clique aqui para acessar a playlist.
Por fim, esse foi meu mergulho nessas obras de Paulo Freire, direcionado pela prof. Andrea na nossa última aula... :)
Paulo Freire é parte da base do Projeto Pedagógico da UFSB, e com isso, continuar conhecendo e desenvolvendo minha autonomia, ser uma "educando educadora", é o que espero como sujeito desse modelo.
Até a próxima! ;)
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